Monday, June 25, 2007

A captação de jovens e separação do seu “mundo”


Antigamente a captação de jovens para os grandes clubes acontecia com jogadores de quinze/dezasseis anos que se instalavam em albergues do clube, procedendo a partir daí à sua especialização futebolística.
A evolução da indústria do futebol e consequente contratação de jovens talentos levaram os clubes a inflacionarem-nos e, assim, neste mercado tão competitivo e com jogadores muito novos a valerem já grandes somas, o futuro está na captação de talentos ainda na sua fase primária de formação, com oito, nove e dez anos.
Enquanto, que, anteriormente, os clubes competiam pelos melhores jogadores séniores, agora competem pelos melhores talentos potenciais, numa “guerra” desenfreada que põem em causa a evolução dessas jovens promessas.
Os clubes alargam a sua captação por todo o país e estrangeiro procurando os que têm maior potencial, os que pensam que a médio prazo vão poder ser rentabilizados.
Neste nível é também dizer que cabe a Portugal e seus clubes terem a função de formação pois como é sabido os clubes não têm capacidade financeira e devem-se centrar na formação de talentos e aposta neles para depois rentabilizar os investimentos, ou seja, vende-los aos poderosos clubes europeus.
Retomando o assunto captação, recentemente assistiu-se a uma disputa por uma jovem promessa de oito anos! Benfica e Sporting disputaram “taco a taco” a contratação deste jovem jogador. O Benfica foi quem primeiro contactou o jovem e seus pais, levou a criança ao estádio, apresentou-lhe os jogadores da equipa principal e acordou amigavelmente com os pais que quando fosse altura ideal o jogador seguiria para Lisboa. Porém o Sporting entrou na corrida, apresentou um pré-acordo aos pais do jogador e estes assinaram, sendo que neste momento a criança passou a ser “propriedade” do Sporting que dentro de algum tempo o levará para a Academia.
As abordagens foram diferentes e a do Sporting levou a melhor, talvez devido ao seu historial de aposta nos jovens, talvez por outro qualquer motivo. Não é essa a questão que vou debater.
Fala-se de contratações, abordagens, pré-acordos, dinheiro, futebol e no meio disto onde está a criança de “apenas” oito anos? O que sentirá esta no meio de tanta concentração em seu redor?
Pois bem tenho algumas ideias quanto a isso. Com oito anos o facto de o estar a restringir a uma modalidade só por si já é alarmante. É certo que há jovens que começam com cinco e seis anos no futebol, mas depois mais tarde o que se vê? Jovens que têm algumas discrepâncias a nível evolutivo, ou seja, tem grandes grupos musculares super desenvolvidos e outros não compensados, têm capacidades super desenvolvidas e outras descompensadas. Mas com acompanhamento devido poder-se-á prevenir essas descompensações.
Contudo a criança não deve ter um grande grupo de vivências que lhe permite ter um leque de experiências e conhecimentos que lhe permitem ultrapassar de uma melhor forma os problemas e ser mais crítico e sabedor? A diversidade desportiva deve ser tida em conta pela criança e por quem a tutela.
Ao especificar a criança ao futebol a partir dos dez/onze anos com vários treinos semanais e com grande carga horária lectiva onde sobra o espaço para ela brincar? Para falhar e corrigir? Para descobrir o mundo que o rodeia? A consequência é brincadeira nos treinos ou brincadeira nas aulas e depois não se podem queixar os professores e treinadores, porque apesar de futebolista e estudantes ele ainda continua a ser uma criança em formação e desenvolvimento que tem todo o direito de viver com a alegria própria da infância.
Dizem que tem de optar muito jovem, ou jogas futebol e te responsabilizas ou vai para outro clube que te dê mais liberdade. Sem dúvida que se optar por ter treinos intensivos irá ter maiores probabilidades de ser um grande jogador, mas também não terá tanto tempo para se formar intelectualmente, aprender a ter suficiência para ultrapassar os problemas, aprender a distinguir o correcto do incorrecto, ter a liberdade de ir ao parque, ao jardim, ao rio e desfrutar da vida natural.
O jovem que é encaminhado de cedo para os clubes e são mantidos nas academias perdem cedo a ligação com os pais e eu pergunto até que ponto isso não pode interferir com a formação mental/emocional do jovem. Onde estarão as suas referências afectivas? Quem lhes dará conselhos sobre os namoros, os estudos, os amigos? Podem dizer que a criança se torna independente mais cedo mas será verdade? Até que ponto o seu grau emocional não será afectado? Saberá com doze anos pensar que tem de estudar porque o futebol não lhe poderá trazer benefícios e terá de ter uma formação académica para ter uma vida estável? Uma criança de doze anos que se vê com todas as regalias e a jogar futebol terá predisposição para estudar e ter um grande grau académico? Os que chegam com sucesso à ribalta do futebol não necessitam se calhar tanto dessa formação académica mas e onde ficam todos os jogadores que não chegaram aos grandes palcos futebolísticos? Possivelmente ficarão sem estudos e sem futebol, ou seja, terão de repensar a sua estratégia pessoal? E aqueles jogadores que não seguiram mais os estudos e que conseguiram jogar futebol em clubes medianos até ao limite etário? Será que vão ter resguardo financeiro para suportar o resto da sua vida, sabendo que a esperança média de vida continua a aumentar? Pois é o centro da questão leva-me a pensar, será conveniente cortar abruptamente a ligação pais-filhos e levar a criança cedo para as academias? Será conveniente especificar a criança para o futebol e deixar-lhe a ponderação sobre a sua continuidade nos estudos? Podem argumentar que em alguns clubes “obrigam” os jogadores a estudar e a frequentarem a escola, mas pergunto se isso é efectivo, se verdadeiramente os encorajam a se formarem e continuarem os estudos, se lhes dão condições horárias para isso…Um jovem que por vezes tem treinos bidiários terá capacidade mental e emocional para ainda ir estudar? O futebol formação e captação tem muito a ponderar, porque não estamos só a lidar com jogadores, estamos sim a lidar com jovens ser humanos que estão em processo de crescimento biológico e mental e que necessitam de todo o acompanhamento possível para discernirem convenientemente o que será realmente importante para a sua vida futura.

1 comment:

Unknown said...

Mto bom artigo! Estou na australia e é mto pior que em Portugal. os miudos nem sequer jogam a bola nas ruas nos parques etc, so querem ir para o clube e treinar lá! Pior que isso é a facilidade com que os pais deixam... alias é um favor que lhes fazem acho eu lol. abraco